lunes, 27 de abril de 2009

Signo de contradição

Mishima Yukio (1925 I970) situa-se no ponto de confluência cultural onde. desde 1853, e notadamente a partir de 1868. com a restauaçào Meiji. se embatem as forcas da niponicidade e as da ocidentalizaçao. Esse drama, vivído por todo o Japão e cada japonês, alcançou seu clímax com o confronto bélico de 1941-45 e seus desdobramentos, e há poucas figuras que, achando-se no centro do furacão, como Mishima, se tenham tornado mais simbólicas desse conflito do que ele. Rematado e sincero histrião, ele conheceu iodas as contradições, representou todos os papéis, quis viver e viveu no centro do palco. Com seu teatral seppuku (haraquiri) público de 1970, no mesmo ano em que o Japão recuperava sua preeminéncia mundial como expressão de modernidade ocidentalizada. Mishima voltou a colocar perante cada japonês o problema da niponicidade versus cosmopolitismo ecumênico. Não é de estranhar que haja dividido todas assopiniões, transformando-se em desconfortável enigma para os japoneses e um dos assun-tos-fabu do Japão.



Un dos biógrafos ocidentais que mais conheceram Mishima na intimidade disse que não existia no Japão ninguém tão ocidentalizado como ele; não obstante, toda a sua vida e seu comportamento estão regidos pelos valores e cânones da mais pura niponicidade. Ele foi um campeão em ambas as pontas, dando-se plena conta do que havia de contraditório nessa situação, e foi aplaudido c vaiado a um sé) tempo pela sinceridade de sua ambivalência.

Tenia se decidido, afinal, trocando a duplicidade de um antagonismo penoso por uma radical niponicidade, que desejou exprimir espetacularmente por seu seppuku? Para a maioria dos japoneses, que niponicamenie vêm harmonizando na prática os contrários que existem numa suposta antinomia entre o Japão e o Ocidente. Mishima coloca a questão em termos radicais e absurdos. Palhaço? Ou herói? Ou ambos? Os japone ses dão de ombros; alguns o veneram, outros o desprezam. Difícil é varrê-lo da memória. Esquecé-lo. fazer de conta que ele não existiu. Nem seu gênio, a um tempo patético e grotesco.

Muito constrangedor.

Um dos mais orgulhosos japoneses que encontrei no Japão, contemporâneo de Mishima, a quem me atrevi perguntar o que pensava dele, não teve dúvidas em confrontar-se com Mi shima, sentindo necessidade, entretanto, se justificar a corre ção do caminho que escolhera, de ser moderno e estar em paz consigo próprio:

"— Eu paguei minha divida ao Japão. Lutei na guerra. Fui tripulante de um small boat torpedeiro. Agora, estou aqui i oque o Japão precisa. Eu sigo o caminho"

Insinuava claramente que ao fugir ã convocação do servi ço militar mediante uma fraude, Mishima não cumprira seu dever, e, assim, seu seppuku não fora mais que o resgate falso de uma dívida (on) que não podia ser paga dessa forma.

Um chofer me disse que não se interessava muito por Mi shima. Acrescentou, porém: ' - Acho que ele amou demais o Japão."

— Vivo — completou um dos meus acompanhantes —. dividiu as opiniões. Morto, está sendo aceito

Aceito? Uma senhora falante, a quem colocamos a questão, emudeceu. Fez de conta que não ouviu. Aceito? Sim: como o signo de contradição que foi a vida toda.

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