domingo, 15 de marzo de 2009

O milionário de calças "jeans"

Em Utsonomiya tivemos de fazer uma escolhia difícil: visi-tar ou Nikko ou Mashiko. Nikko é um museu-santuário monumental, jazigo dc Tokugawa Teyasu, onde se reúne e cultua :i memória deste que, unificando o Japão sob a linhagem do terceiro shogunato (1000-1868), proporcionou dois séculos c meio de paz ao Japão. Mashiko é um dos principais núcleos de ceramistas do Japão. As distâncias se eqüivaliam. Optamos irreverentemente por Mashiko, já porque no dia anterior havíamos visto a exposição do museu histórico local (que referimos em tópico separado), já porque nosso programa previa a visita a numerosos outros templos e museus.

A qualidade da argila de Mashiko fez com que lá se concentrassem cerca de 350 ceramistas. entre eles Tatsuzo Shima-oka. um dos grandes de sua arte no Japão, com exposições e prêmios mundiais. Por ocasião de nossa visita, na praça central da pequena e espalhada aldeia, hoje ponto dc visitação turística equipado com o mais moderno conforto, no salão do edifício central se exibia uma exposição cie artistas de técnicas e estilos os mais variados: dos mais tradicionais ao moderno-so descabelado. Nossa visita se concentrou, porem, nas instalações de Tatsuzo, cujas oficinas e fornos se acham à volta de sua antiga casa dc madeira, de estilo nipònico, ã meia-encos-la de um morro que olha para o moderno centro de Mashiko.

Ele nos recebe à porta de sua casa ern mangas de camisa, calças jeans e sandálias havaianas. Serve-nos o chá costumeiro, mostra-nos catálogos de suas exposições, conduz-nos às oficinas, depois aos fornos. Tudo singelo, rústico, não mais que dois ajudantes que há dezenas de anos aprendem o ofício com o mestre. O corriqueiro de sua produção se concentra em algumas dezenas de modelos de utensílios caseiros que reproduzem em cada peça formas e ornamentos de sua criação artesanal. O mestre se dedica a obras singulares, peças únicas, sem reprodução, nas quais continua a exercer sua atividade criadora. Mesmo as peças seriadas, as mais simples, produzidas uma a uma — simples canecas para chá — alcançam com sua assinatura preços-piso de 30 a 40 mil yens. Se da artesania de passasse a labricação poderia se transformar em milionário. Mas Tarsuzo não quer se transformar em millonario. Nos o compreendemos. E talvez seja por isso e nada mais a vinda nos presenteia mm tinas peças suas.

miércoles, 4 de marzo de 2009

Os "kami" de Nara

Há poucos testemunhos mais eloqüentes e encantadores tia integração do japonês com a natureza e da resposta da natureza ao amor que o japonês lhe dedica do que o oferecido pelos veadinhos de Nara, que moram soltos no parque do santuário Tòdaiji. liles aí estão há séculos, talvez desde quando esse santuário budista foi construído. O avanço da civilização não os expulsou de seu hãbitat: eles não só aprenderam a tirar proveito prático da presença do homem mas também adotaram o que ele tem de mais alto, que é a civilidade nas relações com seus... "dissemelhantes". Fm outras palavras, aderiram à filosofia nipônica da "harmonia dos contrários", que não vè oposição mas complementaridade e enriquecimento recíproco na convivência entre coisas e seres distintos ou até antagônicos. Os japoneses os elevaram à dignidade de kami (divindades, seres superiores, sagrados).




Atravessando o enorme íoríi (portal), multidões correm -como rios pela larga avenida, hoje asfaltada, que conduz ao templo principal. Ao longo das calçadas enfileiram-se barracas de quinquilharias, souvenirs, e também de alimentos e refeições ligeiras. Dezenas de veados, velhos, adultos, jovens e filhotes, se acham no parque, andando, parados, reelinados, repousando.

Suzana, minha mulher, aproxima-se da guia da calçada. Acena com uma bolacha. Três veados se aproximam. Vem um pequeno, à frente, mais rápido, aproxima-se e apanha a oferta como a uma hóstia de comunhão. Aproxima-se em seguida o gamo jovem, li a primeira coisa que faz, como qualquer japonês ao se dirigir a outra pessoa, é executar uma ojigi (reverência de cabeça). Três vc7cs. Suzana entende: ele eslá exprimindo amaeru, expectativa de benevolência, testemunho de amor. Retribui a reverência ao kami-sama ("dom" kami). Dá-lhe o petisco. Ele repete as reverências mas não aceita nova bolacha. Parece apenas agradecer, pois em seguida se afasta discretamente, como fazem os japoneses.

Os pequeninos, como as crianças japonesas pequenas, acham que não precisam, ou ainda não aprenderam a fazer a ojigi. Os velhos, de longe, apreciam e parecem aprovar as boas maneiras tios jovens. Mesmo daqueles que rejeitam bolachas por estarem fartos delas, e aceitam sanduíches.

A cena se repete quando saímos do parque, com outros animais. Para não nos mostrarmos menos educados que eles, retribuímos suas reverências. Os japoneses que passam riem conosco. Os velhos gamos acenam suas cabeças aprovadora mente Buda, também, deve estar sorrindo.