jueves, 5 de febrero de 2009

Assisto ao nascimento do Japão

Viagens são uma sucessão de acontecimentos. Uma coleção de episodios. Um dos mais ricos, gratos e emocionantes foi nosso encontro com o Shimotsuke no Daimyo Ten, exposi ção montada pelo museu de Utsonomiya para reconstituir a época dos daimyos (suseranos feudais) da região de Shimotsu-ke, hoje provincia de Tochigi.



No almoço que nos foi oferecido nesse museu por nossas magnificas anfitrias de Utsonomiya, seu diretor nos deu um catalogo da exposicão que — feliz coincidencia! — deveria ser inaugurada no dia seguintc, apos tres anos de prepare) e ao custo de 8 milhoes de yens (cerca de 64.000 dólares). Mais de cem localidades haviam fornecido perto de quatro mil peças, desde estátuas, pergamihos, espadas, selas e armaduras ate utensilios de cozinha, para se reconstituir a vida daquela época.

E impossivel dar coma da emocao que sentimos ao percorrer aquela exposição. É que, a par de sua riqueza e beleza deslumbrantes, percorremos ali ao vivo. o caminho que durante oito anos vinhamos fazendo nos livros, procurando comprender a formação historica e cultural do Japão. E ali estava ela. reconstituida concretamente, em suas peças autênticas, como se o passado do Japão viesse ao nosso encomtro a fim de confirmar as ideias que tinhamos a seu respeito. Pois foi nesse pe riodo (Azuchi-Momoyama, 1567-1600) que os tres grandes ca pitaes, Nobunaga, Hideyoshi e Tokugawa. realizaram a pacifica-çao e a união que, após mais de dois séculos de guerras feu-dais, integraria o país e Ihe daria 250 anos de paz. Era como se assistessemos ao nascimento do Japão!

I.a estavam estatuas originais dc Hideyoshi e Tokugawa. com que haviamos nos familiarizado nos livros. La estava o emakimono (pergaminho) original da decisiva batalha de Seki-gahara, que marca o inicio do periodo Edo (1600). Não correspondia a nenhuma das reproduçoes que conheci. Nenhuma fo-ra capaz de dar conta de seus detalhes, de suas cores, de sua graça, de sua vida. (Lembrei-me de idèntica sensação quando, em Londres, me deparei com originais de conhecidos desenhos de Toulouse-Lautrec: nenhuma reprodução capta a inspiração e a força criadora que o artista poe em seu trabalho e so o original conserva.)

Dei largas ao entusiasmo e a alegria proporcionados por aquele espetáculo. Me surpreendi muito com o fato de que todo 0 Japão não estivesse a par daquele acontecimento, restrito quase a provincia de Tochigi. Apenas um dos acontecimentos culturais que, na estação do outono, sc realizam naquele pais. (Alguns dias depois vamos encontrar em Kyoto exposição de igual pompa e riqueza sobrc "O Caminho da Seda".) Já no início de minha viagem, entretanto, sentia-me pago de todo o tempo e de todo esforco empregados para compreender o Japão: naquela exposição elevinha, magicamente, ao meu encontro.

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