A visão de que num pais rico como o Japão a vida é carae dificil pode ser deduzida da comparação objetiva de dados. Contudo, não abrangi- toda a verdade. Não dá conta do que os japoneses sentem a respeito, nem dos benefícios que tiram dessa riqueza. Pela limitação de seus recursos o Japão foi sempre pohre. os japoneses sempre estiveram acostumados li um intenso trabalho, a sobriedade foi sempre uni de seus característicos. A .sua moda, hoje aproveitam uma riqueza que ainda não tinham conhecido. Além de certo consumismo e de uma discreta... ostentação, é claramente visível uma satisfação e bem estar econômicos de toda a população. A prosperidade não impõe, entretanto, o desperdício, nem a riqueza obriga ao relaxamento e ã indolência. Os japoneses não se comportam como novos-ricos. mas como antigos, pobres que alcançaram a abundância, continuam economicamente sérios e austeros, como geralmente são nas outras coisas.
Embora a riqueza do pais seja o lato que mais salta ã vista, a força mais importante que aciona sua economia e sustenta seus mercados e o grau que a distribuição de renda alcançou no Japão.
O que explica a riqueza, a fartura, a pletora de outra forma inconcebível dos depato é que todos os japoneses tèm acesso a eles Nada é caro quando se pode pagar os preços, e quando a renda é suficientemente distribuída todos podem pagá-los. O fato mais importante da economia japonesa não e tanto a riqueza de sua produção, mas a fartura de sua distribuição: e esta que explica o escoamento daquela, em poucos países o abstrato indite de renda média per capita está mais peno tia renda concreta que cabe por cabeça a cada japonês. Indicado res das pequenas diferenças tie remuneração existentes entre diretores tie empresa e o mais modesto empregado e entre as diversas categorias profissionais tal vez façam tio Japão a nação que em todo o mundo alcançou o maior grau de democratização da riqueza O Japão não é apenas unia nação com 60 milhões de produtores: é. sobretudo, uma nação com 125 milhões cie consumidores com rendas altas muito semelhantes.
Ainda em Tokyo, li no Japan Times a notícia de que o Japão alcançara a maior renda per capita do mundo, com USS 23.022, contra USS 21.022 da Alemanha Ocidental, USS 18.163 dos Fstados Unidos e USS 13.39s) da Girã-Bretanha. Em matéria de poder aquisitivo, que define o nível de vida. estava entretanto em 3" lugar, abaixo dos listados Unidos e da Alemanha Ocidental. Em outras palavras, os estudiosos confirmam por números um falo que entra pelos olhos.
A questão é tão mais intrigante por ler uma lace paradoxal. Não é só o país que e rico: o japonês é o homem que mais ganha no mundo e o Japão é o país onde a renda se acha melhor distribuída. Morita popularizou mundialmente a verdade que 95% dos japoneses são classe média. Não há salário mínimo, mas o mínimo dos salários está por volta de 250.000 yens mensais (USS 2.000). Não vi senão dois pedintes no Japão, e não eram mendigos: um era um monge budista que fizera voto de pobreza e outro, aparentemente, um excêntrico que, sentado em uma calçada da Cinza, cantava baixinho canções nipònicas com uma cuia de esmolas à frente...
Em Osaka, pedi e fui ver um bairro pobre. Não corresponde ã noção que temos de pobreza apesar de seu evidente decaimento. Do presidente da maior empresa ao seu office-boy (se existe tal coisa) a diferença de salários é de ~ vezes apenas — 15 a 20 nos Fstados Unidos e na Europa. A renda familiar média está por volta de 500 mil yens. O padrão de vencimento de um médico é de 725 mil yens; o chefe de secção ganha 422 mil yens. Têstemunhou-me um casal de professores universitários com dois filhos adolescentes que os filhos de um casal de jardineiros competem (com vantagem contra os seus) em nível de consumo. Um jardineiro cobra por seu trabalho 10.000 yens diários. Pelos modos e pelo traje é impossível distinguir um banqueiro de seu chofer, ambos sentados à mesa de um restaurante. Parte ponderável da elite japonesa — entre ela a de grandes empresários — cultiva a vida morigerada. Alguns chegam ã ascese.
Ouvimos respostas das mais variadas ã nossa intrigante questão. Para uma professora, o socialismo não deve ser buscado em Cuba, mas no Japão.
viernes, 5 de junio de 2009
domingo, 17 de mayo de 2009
O japonês no seu espaço
Não se compreenderá o Japão, quer em suas realizações, quer em seus problemas, sem se ter presente um fato que salta à vista quando se visita o país: há multidões de japoneses em todos os lugares do Japão. Nas ruas, nas escolas, nos hotéis, nos trens, nos metrôs, nos museus, nos restaurantes, nas lojas. E uma imagem universalmente familiar a de funcionários de luvas brancas ensardinhando passageiros nos metrôs nos horários de congestionamento. Mas isto é apenas um paroxis-mo do fato cie haver japoneses lotando todos os espaços disponíveis do Japão.
Só não há filas exasperantes porque tudo se processa com alta organização, disciplina e velocidade. Ajudadas pela máquinas e pela automação, inclusive as pessoas funcionam com a precisão de cronômetros sincronizados para corridas de 100 metros rasos. Os trens chegam e partem a 200 km horários com pontualidade de minutos e os vagões numerados abrem suas portas em lugares assinalados por faixas nas imensas plataformas das estações.
Isto vem de longe.
Já em 1700 o Japão tinha uma população de 25 milhões de pessoas — uma densidade de 66 habitantes/km - (a cio Brasil de hoje é de 15 habitantes/km2). Numa área utilizável que não chega à metade da superfície do Estado de São Paulo, o Japão abriga atualmente uma população de 125 milhões, pouco inferior à brasileira. Isto corresponde a uma densidade bruta de 320 habitantes/km2, número ilusório, pois 70% do território japonês são tomados por montanhas recobertas de florestas. Resulta que em Tokyo a densidade é cie 5.000 habitantes/km -, cerca de 200 m2 para cada japonês, suas habitações, edifícios, estradas, fábricas e tudo o mais.
Assim, cada em2 do país milenar vem sendo lapidado pelas sucessivas gerações de japoneses. E, de outro lado, explica-se a extrema disciplina. A média nacional das casas-próprias no japão, na sua maioria amigas, herdadas, construídas há décadas, e de 100 m; a das casas alugadas, de construção mais recente, é de 40 m. Para escândalo universal, constroem-se nas cidades populosas apartamentos compactos de 9 m e nas estações de metro se instalaram sarcõlagos acrílicos onde passam a noite japoneses que perderam o último trem.
Só não há filas exasperantes porque tudo se processa com alta organização, disciplina e velocidade. Ajudadas pela máquinas e pela automação, inclusive as pessoas funcionam com a precisão de cronômetros sincronizados para corridas de 100 metros rasos. Os trens chegam e partem a 200 km horários com pontualidade de minutos e os vagões numerados abrem suas portas em lugares assinalados por faixas nas imensas plataformas das estações.
Isto vem de longe.
Já em 1700 o Japão tinha uma população de 25 milhões de pessoas — uma densidade de 66 habitantes/km - (a cio Brasil de hoje é de 15 habitantes/km2). Numa área utilizável que não chega à metade da superfície do Estado de São Paulo, o Japão abriga atualmente uma população de 125 milhões, pouco inferior à brasileira. Isto corresponde a uma densidade bruta de 320 habitantes/km2, número ilusório, pois 70% do território japonês são tomados por montanhas recobertas de florestas. Resulta que em Tokyo a densidade é cie 5.000 habitantes/km -, cerca de 200 m2 para cada japonês, suas habitações, edifícios, estradas, fábricas e tudo o mais.
Assim, cada em2 do país milenar vem sendo lapidado pelas sucessivas gerações de japoneses. E, de outro lado, explica-se a extrema disciplina. A média nacional das casas-próprias no japão, na sua maioria amigas, herdadas, construídas há décadas, e de 100 m; a das casas alugadas, de construção mais recente, é de 40 m. Para escândalo universal, constroem-se nas cidades populosas apartamentos compactos de 9 m e nas estações de metro se instalaram sarcõlagos acrílicos onde passam a noite japoneses que perderam o último trem.
lunes, 27 de abril de 2009
Signo de contradição
Mishima Yukio (1925 I970) situa-se no ponto de confluência cultural onde. desde 1853, e notadamente a partir de 1868. com a restauaçào Meiji. se embatem as forcas da niponicidade e as da ocidentalizaçao. Esse drama, vivído por todo o Japão e cada japonês, alcançou seu clímax com o confronto bélico de 1941-45 e seus desdobramentos, e há poucas figuras que, achando-se no centro do furacão, como Mishima, se tenham tornado mais simbólicas desse conflito do que ele. Rematado e sincero histrião, ele conheceu iodas as contradições, representou todos os papéis, quis viver e viveu no centro do palco. Com seu teatral seppuku (haraquiri) público de 1970, no mesmo ano em que o Japão recuperava sua preeminéncia mundial como expressão de modernidade ocidentalizada. Mishima voltou a colocar perante cada japonês o problema da niponicidade versus cosmopolitismo ecumênico. Não é de estranhar que haja dividido todas assopiniões, transformando-se em desconfortável enigma para os japoneses e um dos assun-tos-fabu do Japão.
Un dos biógrafos ocidentais que mais conheceram Mishima na intimidade disse que não existia no Japão ninguém tão ocidentalizado como ele; não obstante, toda a sua vida e seu comportamento estão regidos pelos valores e cânones da mais pura niponicidade. Ele foi um campeão em ambas as pontas, dando-se plena conta do que havia de contraditório nessa situação, e foi aplaudido c vaiado a um sé) tempo pela sinceridade de sua ambivalência.
Tenia se decidido, afinal, trocando a duplicidade de um antagonismo penoso por uma radical niponicidade, que desejou exprimir espetacularmente por seu seppuku? Para a maioria dos japoneses, que niponicamenie vêm harmonizando na prática os contrários que existem numa suposta antinomia entre o Japão e o Ocidente. Mishima coloca a questão em termos radicais e absurdos. Palhaço? Ou herói? Ou ambos? Os japone ses dão de ombros; alguns o veneram, outros o desprezam. Difícil é varrê-lo da memória. Esquecé-lo. fazer de conta que ele não existiu. Nem seu gênio, a um tempo patético e grotesco.
Muito constrangedor.
Um dos mais orgulhosos japoneses que encontrei no Japão, contemporâneo de Mishima, a quem me atrevi perguntar o que pensava dele, não teve dúvidas em confrontar-se com Mi shima, sentindo necessidade, entretanto, se justificar a corre ção do caminho que escolhera, de ser moderno e estar em paz consigo próprio:
"— Eu paguei minha divida ao Japão. Lutei na guerra. Fui tripulante de um small boat torpedeiro. Agora, estou aqui i oque o Japão precisa. Eu sigo o caminho"
Insinuava claramente que ao fugir ã convocação do servi ço militar mediante uma fraude, Mishima não cumprira seu dever, e, assim, seu seppuku não fora mais que o resgate falso de uma dívida (on) que não podia ser paga dessa forma.
Um chofer me disse que não se interessava muito por Mi shima. Acrescentou, porém: ' - Acho que ele amou demais o Japão."
— Vivo — completou um dos meus acompanhantes —. dividiu as opiniões. Morto, está sendo aceito
Aceito? Uma senhora falante, a quem colocamos a questão, emudeceu. Fez de conta que não ouviu. Aceito? Sim: como o signo de contradição que foi a vida toda.
Un dos biógrafos ocidentais que mais conheceram Mishima na intimidade disse que não existia no Japão ninguém tão ocidentalizado como ele; não obstante, toda a sua vida e seu comportamento estão regidos pelos valores e cânones da mais pura niponicidade. Ele foi um campeão em ambas as pontas, dando-se plena conta do que havia de contraditório nessa situação, e foi aplaudido c vaiado a um sé) tempo pela sinceridade de sua ambivalência.
Tenia se decidido, afinal, trocando a duplicidade de um antagonismo penoso por uma radical niponicidade, que desejou exprimir espetacularmente por seu seppuku? Para a maioria dos japoneses, que niponicamenie vêm harmonizando na prática os contrários que existem numa suposta antinomia entre o Japão e o Ocidente. Mishima coloca a questão em termos radicais e absurdos. Palhaço? Ou herói? Ou ambos? Os japone ses dão de ombros; alguns o veneram, outros o desprezam. Difícil é varrê-lo da memória. Esquecé-lo. fazer de conta que ele não existiu. Nem seu gênio, a um tempo patético e grotesco.
Muito constrangedor.
Um dos mais orgulhosos japoneses que encontrei no Japão, contemporâneo de Mishima, a quem me atrevi perguntar o que pensava dele, não teve dúvidas em confrontar-se com Mi shima, sentindo necessidade, entretanto, se justificar a corre ção do caminho que escolhera, de ser moderno e estar em paz consigo próprio:
"— Eu paguei minha divida ao Japão. Lutei na guerra. Fui tripulante de um small boat torpedeiro. Agora, estou aqui i oque o Japão precisa. Eu sigo o caminho"
Insinuava claramente que ao fugir ã convocação do servi ço militar mediante uma fraude, Mishima não cumprira seu dever, e, assim, seu seppuku não fora mais que o resgate falso de uma dívida (on) que não podia ser paga dessa forma.
Um chofer me disse que não se interessava muito por Mi shima. Acrescentou, porém: ' - Acho que ele amou demais o Japão."
— Vivo — completou um dos meus acompanhantes —. dividiu as opiniões. Morto, está sendo aceito
Aceito? Uma senhora falante, a quem colocamos a questão, emudeceu. Fez de conta que não ouviu. Aceito? Sim: como o signo de contradição que foi a vida toda.
domingo, 15 de marzo de 2009
O milionário de calças "jeans"
Em Utsonomiya tivemos de fazer uma escolhia difícil: visi-tar ou Nikko ou Mashiko. Nikko é um museu-santuário monumental, jazigo dc Tokugawa Teyasu, onde se reúne e cultua :i memória deste que, unificando o Japão sob a linhagem do terceiro shogunato (1000-1868), proporcionou dois séculos c meio de paz ao Japão. Mashiko é um dos principais núcleos de ceramistas do Japão. As distâncias se eqüivaliam. Optamos irreverentemente por Mashiko, já porque no dia anterior havíamos visto a exposição do museu histórico local (que referimos em tópico separado), já porque nosso programa previa a visita a numerosos outros templos e museus.
A qualidade da argila de Mashiko fez com que lá se concentrassem cerca de 350 ceramistas. entre eles Tatsuzo Shima-oka. um dos grandes de sua arte no Japão, com exposições e prêmios mundiais. Por ocasião de nossa visita, na praça central da pequena e espalhada aldeia, hoje ponto dc visitação turística equipado com o mais moderno conforto, no salão do edifício central se exibia uma exposição cie artistas de técnicas e estilos os mais variados: dos mais tradicionais ao moderno-so descabelado. Nossa visita se concentrou, porem, nas instalações de Tatsuzo, cujas oficinas e fornos se acham à volta de sua antiga casa dc madeira, de estilo nipònico, ã meia-encos-la de um morro que olha para o moderno centro de Mashiko.
Ele nos recebe à porta de sua casa ern mangas de camisa, calças jeans e sandálias havaianas. Serve-nos o chá costumeiro, mostra-nos catálogos de suas exposições, conduz-nos às oficinas, depois aos fornos. Tudo singelo, rústico, não mais que dois ajudantes que há dezenas de anos aprendem o ofício com o mestre. O corriqueiro de sua produção se concentra em algumas dezenas de modelos de utensílios caseiros que reproduzem em cada peça formas e ornamentos de sua criação artesanal. O mestre se dedica a obras singulares, peças únicas, sem reprodução, nas quais continua a exercer sua atividade criadora. Mesmo as peças seriadas, as mais simples, produzidas uma a uma — simples canecas para chá — alcançam com sua assinatura preços-piso de 30 a 40 mil yens. Se da artesania de passasse a labricação poderia se transformar em milionário. Mas Tarsuzo não quer se transformar em millonario. Nos o compreendemos. E talvez seja por isso e nada mais a vinda nos presenteia mm tinas peças suas.
A qualidade da argila de Mashiko fez com que lá se concentrassem cerca de 350 ceramistas. entre eles Tatsuzo Shima-oka. um dos grandes de sua arte no Japão, com exposições e prêmios mundiais. Por ocasião de nossa visita, na praça central da pequena e espalhada aldeia, hoje ponto dc visitação turística equipado com o mais moderno conforto, no salão do edifício central se exibia uma exposição cie artistas de técnicas e estilos os mais variados: dos mais tradicionais ao moderno-so descabelado. Nossa visita se concentrou, porem, nas instalações de Tatsuzo, cujas oficinas e fornos se acham à volta de sua antiga casa dc madeira, de estilo nipònico, ã meia-encos-la de um morro que olha para o moderno centro de Mashiko.
Ele nos recebe à porta de sua casa ern mangas de camisa, calças jeans e sandálias havaianas. Serve-nos o chá costumeiro, mostra-nos catálogos de suas exposições, conduz-nos às oficinas, depois aos fornos. Tudo singelo, rústico, não mais que dois ajudantes que há dezenas de anos aprendem o ofício com o mestre. O corriqueiro de sua produção se concentra em algumas dezenas de modelos de utensílios caseiros que reproduzem em cada peça formas e ornamentos de sua criação artesanal. O mestre se dedica a obras singulares, peças únicas, sem reprodução, nas quais continua a exercer sua atividade criadora. Mesmo as peças seriadas, as mais simples, produzidas uma a uma — simples canecas para chá — alcançam com sua assinatura preços-piso de 30 a 40 mil yens. Se da artesania de passasse a labricação poderia se transformar em milionário. Mas Tarsuzo não quer se transformar em millonario. Nos o compreendemos. E talvez seja por isso e nada mais a vinda nos presenteia mm tinas peças suas.
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miércoles, 4 de marzo de 2009
Os "kami" de Nara
Há poucos testemunhos mais eloqüentes e encantadores tia integração do japonês com a natureza e da resposta da natureza ao amor que o japonês lhe dedica do que o oferecido pelos veadinhos de Nara, que moram soltos no parque do santuário Tòdaiji. liles aí estão há séculos, talvez desde quando esse santuário budista foi construído. O avanço da civilização não os expulsou de seu hãbitat: eles não só aprenderam a tirar proveito prático da presença do homem mas também adotaram o que ele tem de mais alto, que é a civilidade nas relações com seus... "dissemelhantes". Fm outras palavras, aderiram à filosofia nipônica da "harmonia dos contrários", que não vè oposição mas complementaridade e enriquecimento recíproco na convivência entre coisas e seres distintos ou até antagônicos. Os japoneses os elevaram à dignidade de kami (divindades, seres superiores, sagrados).
Atravessando o enorme íoríi (portal), multidões correm -como rios pela larga avenida, hoje asfaltada, que conduz ao templo principal. Ao longo das calçadas enfileiram-se barracas de quinquilharias, souvenirs, e também de alimentos e refeições ligeiras. Dezenas de veados, velhos, adultos, jovens e filhotes, se acham no parque, andando, parados, reelinados, repousando.
Suzana, minha mulher, aproxima-se da guia da calçada. Acena com uma bolacha. Três veados se aproximam. Vem um pequeno, à frente, mais rápido, aproxima-se e apanha a oferta como a uma hóstia de comunhão. Aproxima-se em seguida o gamo jovem, li a primeira coisa que faz, como qualquer japonês ao se dirigir a outra pessoa, é executar uma ojigi (reverência de cabeça). Três vc7cs. Suzana entende: ele eslá exprimindo amaeru, expectativa de benevolência, testemunho de amor. Retribui a reverência ao kami-sama ("dom" kami). Dá-lhe o petisco. Ele repete as reverências mas não aceita nova bolacha. Parece apenas agradecer, pois em seguida se afasta discretamente, como fazem os japoneses.
Os pequeninos, como as crianças japonesas pequenas, acham que não precisam, ou ainda não aprenderam a fazer a ojigi. Os velhos, de longe, apreciam e parecem aprovar as boas maneiras tios jovens. Mesmo daqueles que rejeitam bolachas por estarem fartos delas, e aceitam sanduíches.
A cena se repete quando saímos do parque, com outros animais. Para não nos mostrarmos menos educados que eles, retribuímos suas reverências. Os japoneses que passam riem conosco. Os velhos gamos acenam suas cabeças aprovadora mente Buda, também, deve estar sorrindo.
Atravessando o enorme íoríi (portal), multidões correm -como rios pela larga avenida, hoje asfaltada, que conduz ao templo principal. Ao longo das calçadas enfileiram-se barracas de quinquilharias, souvenirs, e também de alimentos e refeições ligeiras. Dezenas de veados, velhos, adultos, jovens e filhotes, se acham no parque, andando, parados, reelinados, repousando.
Suzana, minha mulher, aproxima-se da guia da calçada. Acena com uma bolacha. Três veados se aproximam. Vem um pequeno, à frente, mais rápido, aproxima-se e apanha a oferta como a uma hóstia de comunhão. Aproxima-se em seguida o gamo jovem, li a primeira coisa que faz, como qualquer japonês ao se dirigir a outra pessoa, é executar uma ojigi (reverência de cabeça). Três vc7cs. Suzana entende: ele eslá exprimindo amaeru, expectativa de benevolência, testemunho de amor. Retribui a reverência ao kami-sama ("dom" kami). Dá-lhe o petisco. Ele repete as reverências mas não aceita nova bolacha. Parece apenas agradecer, pois em seguida se afasta discretamente, como fazem os japoneses.
Os pequeninos, como as crianças japonesas pequenas, acham que não precisam, ou ainda não aprenderam a fazer a ojigi. Os velhos, de longe, apreciam e parecem aprovar as boas maneiras tios jovens. Mesmo daqueles que rejeitam bolachas por estarem fartos delas, e aceitam sanduíches.
A cena se repete quando saímos do parque, com outros animais. Para não nos mostrarmos menos educados que eles, retribuímos suas reverências. Os japoneses que passam riem conosco. Os velhos gamos acenam suas cabeças aprovadora mente Buda, também, deve estar sorrindo.
lunes, 23 de febrero de 2009
No encalço das ama
Quem já não ouviu falar das ama, as pescadoras de perolas, mergulhadoras extraordinarias que isoladas em ilhas remotas. na comunidade de pequenas aldeias, vivem a pobreza aventurosa, romantica e lotérica de arrebatar joias que as ostras escondem no fundo dos oceanos?
De Toba, talvez o mais aristocratico centro de lazer do Japão, fomos de carro, por estrada asfaltada, ha poucos anos recortada no flanco das montanhas, ao encontro da ilha das Pe-rolas. Inesquecivel trajeto.
Do continente (ou melhor, da ilha de Honshu) se cruza o braço de mar para a "Mikimoto Pearl Island" por uma passare-la-toldo de seus 200/300 metros. carpetada no piso, envidraça-da nos lados... depois de se comprar um ingresso e atravessar uma borboleta. Chega-se a um patio apedriscado, rodeado dc incaracterísticas construçoes ultramodernas, onde se destaca sobre um pedestal uma estatua de bronze de Kokichi Mikimoto, o inventor do processo dc cultivar pérolas.
A ilhia das Pérolas é um ilhote inteiramente urbanizado e ajardinado. que se abarca com a vista e mais parece simples ancoradouro. Procura-se para cá e para lá e chega-se a um salão enormc, onde, sentado em poltronas de vime, se olha o mar encostado as lundaçoes. De um pequeno balção a atenden-le nos pergunta em que língua desejamos ouvir a explicação do show das ama: inglês, trancês, espanhol, alemão, russo... — ou chinês?
— Show?
Faltavam 10 para as 4. As quatro em ponto, um barco cabinado e envidraçado se aproxima. Para a uns cinco metros de onde estamos. As ama, com suas camisolas brancas e óculos de mergulho, lançam ao mar seus cestos. Saltam, meia-dúzia delas, para o mar. Mergulham. Voltam a superficie, lançam nos cestos as ostras que colheram. Assobiam, tomam fôlego, voltam a mergulhar. Dez minutos após encerra-se o show, sobem de volta ao barco. Podemos reencontrá-las a saída, sob um rancho envidraeado, com camisolas brancas secas, trocadas, onde se acham a disposição para se deixarem fotografar com "os turistas".
Decepcionante? Não. Pior que isso. Mistificante. Das ama não sobrou senão o assobio pungente e nostálgico — "elegia do mar" — com que reequilibram o fôlego e, se diz, imploram graças aos deuses.
A saída. dirigimo-nos a um coffee-sbop. Continuamos de olhos arregalados. E sob nossos olhos, a jovero que nos prepa-ra um express tem nos sens gestos a precisão, a graça, a delicadeza de quem oficia uma cerimônia do chá.
Não. O Japão não se desniponizou. Continua, nos assobios das ama e na graça das garçonetes, para quem tenha olhos para ver e ouvidos para ouvir.
De Toba, talvez o mais aristocratico centro de lazer do Japão, fomos de carro, por estrada asfaltada, ha poucos anos recortada no flanco das montanhas, ao encontro da ilha das Pe-rolas. Inesquecivel trajeto.
Do continente (ou melhor, da ilha de Honshu) se cruza o braço de mar para a "Mikimoto Pearl Island" por uma passare-la-toldo de seus 200/300 metros. carpetada no piso, envidraça-da nos lados... depois de se comprar um ingresso e atravessar uma borboleta. Chega-se a um patio apedriscado, rodeado dc incaracterísticas construçoes ultramodernas, onde se destaca sobre um pedestal uma estatua de bronze de Kokichi Mikimoto, o inventor do processo dc cultivar pérolas.
A ilhia das Pérolas é um ilhote inteiramente urbanizado e ajardinado. que se abarca com a vista e mais parece simples ancoradouro. Procura-se para cá e para lá e chega-se a um salão enormc, onde, sentado em poltronas de vime, se olha o mar encostado as lundaçoes. De um pequeno balção a atenden-le nos pergunta em que língua desejamos ouvir a explicação do show das ama: inglês, trancês, espanhol, alemão, russo... — ou chinês?
— Show?
Faltavam 10 para as 4. As quatro em ponto, um barco cabinado e envidraçado se aproxima. Para a uns cinco metros de onde estamos. As ama, com suas camisolas brancas e óculos de mergulho, lançam ao mar seus cestos. Saltam, meia-dúzia delas, para o mar. Mergulham. Voltam a superficie, lançam nos cestos as ostras que colheram. Assobiam, tomam fôlego, voltam a mergulhar. Dez minutos após encerra-se o show, sobem de volta ao barco. Podemos reencontrá-las a saída, sob um rancho envidraeado, com camisolas brancas secas, trocadas, onde se acham a disposição para se deixarem fotografar com "os turistas".
Decepcionante? Não. Pior que isso. Mistificante. Das ama não sobrou senão o assobio pungente e nostálgico — "elegia do mar" — com que reequilibram o fôlego e, se diz, imploram graças aos deuses.
A saída. dirigimo-nos a um coffee-sbop. Continuamos de olhos arregalados. E sob nossos olhos, a jovero que nos prepa-ra um express tem nos sens gestos a precisão, a graça, a delicadeza de quem oficia uma cerimônia do chá.
Não. O Japão não se desniponizou. Continua, nos assobios das ama e na graça das garçonetes, para quem tenha olhos para ver e ouvidos para ouvir.
lunes, 16 de febrero de 2009
Rotina, tédio e exaltação
Alguma coisa me irritou no Japão? Sim. Os audiovisuais a que eramos disciplinadamente submetidos nas visitas a maioria dos orgaos públicos e empresas particulares. Não ha conversa pessoal antes disso, talvez porque recebendo tantas visitas os japoneses ja estejam enfarados de repetir as mesmas respos tas gerais as mesnias perguntas gerais. Eles se enfararam antes de nós. Daí o enlatado dos audiovisuais. Depois se pergunta-rá tudo o que se quiser, pelo tempo que se quiser.
"— Practico, né?
Inegavelmente. Entretanto, há uma insoportavel monotonia nessas apreseniaçoes saturadas de comunicologia. como se elas tivessem sido produzidas em serie, a partir do mesmo script, e fossem manufaturadas pela mesma empresa ou organização, não importa para que orgão ou empresa.
De toda a ameneanização do Japão, esta foi a mais enjoativa. De toda a niponização que permanece, como testemunho da insuperavel hospitalidade japonesa, o que mais nos tocou foi enntrar na maioria das nossas visitas a entidades publicas e empresas privadas a bandeira brasileira hasteada nos mastros e presente nas salas em que fomos recebidos.
"— Practico, né?
Inegavelmente. Entretanto, há uma insoportavel monotonia nessas apreseniaçoes saturadas de comunicologia. como se elas tivessem sido produzidas em serie, a partir do mesmo script, e fossem manufaturadas pela mesma empresa ou organização, não importa para que orgão ou empresa.
De toda a ameneanização do Japão, esta foi a mais enjoativa. De toda a niponização que permanece, como testemunho da insuperavel hospitalidade japonesa, o que mais nos tocou foi enntrar na maioria das nossas visitas a entidades publicas e empresas privadas a bandeira brasileira hasteada nos mastros e presente nas salas em que fomos recebidos.
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domingo, 15 de febrero de 2009
O resfriado brasileiro
Uma preocupação universal dos japoneses era com a divi-da externa e a inflação brasileiras. Violando a tradicional dis-crção niponica, sem infringir, contudo, sua proverbial corte-sia, não resistiram a oportunidade de nos interrogar para saber.
Acontecen na sede da prefeitura de Utsonomiya, onde fomos, minha mulher e eu. distinguidos com o título de cida dãos honorarios e cumulados de delicados presentcs. Voltou a repetir-se na Facultade de Estudos Estrangeiros da Universidade de Kyoto, onde fizemos uma conferencia sobre nosso pais.
Tinhamos que condensar a resposta em poucos minutos. Para uma economia madura e pletórica, isto, de fato, seria uma molestia mortal; para uma economia de espaços continentals, que ainda engatinhava, com todos os recursos e oportunidades a serem explorados, isto era como uma doença infantil, constipação, resfriado, ou sarampo. No dia seguinte a frase era cabeçalho de noticia do Kyoto Shimbum: "Dívida externa e uma gripe de moço gigante."
Muito mais complicado era explicar como o brasileiro con-seguia sobreviver com uma inflação de 20% ao mes e uma ren-da per capita anual de US$ 2.000, num pais (o Japão) cuja inflação anual é de 2% e a renda per capita de USS 23,000, a maior do numdo, depois da Suiça.
Acontecen na sede da prefeitura de Utsonomiya, onde fomos, minha mulher e eu. distinguidos com o título de cida dãos honorarios e cumulados de delicados presentcs. Voltou a repetir-se na Facultade de Estudos Estrangeiros da Universidade de Kyoto, onde fizemos uma conferencia sobre nosso pais.
Tinhamos que condensar a resposta em poucos minutos. Para uma economia madura e pletórica, isto, de fato, seria uma molestia mortal; para uma economia de espaços continentals, que ainda engatinhava, com todos os recursos e oportunidades a serem explorados, isto era como uma doença infantil, constipação, resfriado, ou sarampo. No dia seguinte a frase era cabeçalho de noticia do Kyoto Shimbum: "Dívida externa e uma gripe de moço gigante."
Muito mais complicado era explicar como o brasileiro con-seguia sobreviver com uma inflação de 20% ao mes e uma ren-da per capita anual de US$ 2.000, num pais (o Japão) cuja inflação anual é de 2% e a renda per capita de USS 23,000, a maior do numdo, depois da Suiça.
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miércoles, 11 de febrero de 2009
"Dômo", "Dôzo"
De leituras, já conheciamos a tolerància e benevolència inesgotáveis do japones para com os bebados e os pobres de espirito. Tudo lhes e relevado. Sao aceitos ajudados. Natural-mente. Sem manifestaçao dc do, sem desprezo, sem comiseração, sem impacència. Com solicitude e até ternura — parece — para com esses que viajam pelas altas planuras...
Na Ginza, noite alta, um executivo, com sen impecavel uniforme de banqueiro, dispara pela calcada emitindo urros de guerra de samurai, seguido solicitamente por mais tres "banqueiros". sua guarda tutelar. Numa boate assistimos a operação de traslado de uma fieira de bebados, carinhosamente comboiados para os elevadores.
Levamos contudo algum tempo para compreender, mais que a paciência, a atenção afeuosa com que, naquiela terra onde não se para para nada e nao se perde um minuto, nossos dois acompanhantes japoneses se detiveram por interminaveis minutos para ouvir e obedecer as sugestoes de um fotografo ambulante que se intitulava "embaixador dos estrangeiros no Japão", exibia suas credenciais, ditava instruçoes, punha-nos de prontidão e tirava postais que... nos enviaria pelo correio. Pagamos, ou antes, nossos acompanhantes pagaram. E as fotos chegaram!
No Brasil ele nao passaria, o mais das vezes, de um "vigarista importuno". No Japão, era um "pobre dos deuses". usan do sua inofensiva Ioucura para ganhar a vida honestamente.
"— Dômo!" — Com licença?* "— Dôzo." — Sim, por favor.
Na Ginza, noite alta, um executivo, com sen impecavel uniforme de banqueiro, dispara pela calcada emitindo urros de guerra de samurai, seguido solicitamente por mais tres "banqueiros". sua guarda tutelar. Numa boate assistimos a operação de traslado de uma fieira de bebados, carinhosamente comboiados para os elevadores.
Levamos contudo algum tempo para compreender, mais que a paciência, a atenção afeuosa com que, naquiela terra onde não se para para nada e nao se perde um minuto, nossos dois acompanhantes japoneses se detiveram por interminaveis minutos para ouvir e obedecer as sugestoes de um fotografo ambulante que se intitulava "embaixador dos estrangeiros no Japão", exibia suas credenciais, ditava instruçoes, punha-nos de prontidão e tirava postais que... nos enviaria pelo correio. Pagamos, ou antes, nossos acompanhantes pagaram. E as fotos chegaram!
No Brasil ele nao passaria, o mais das vezes, de um "vigarista importuno". No Japão, era um "pobre dos deuses". usan do sua inofensiva Ioucura para ganhar a vida honestamente.
"— Dômo!" — Com licença?* "— Dôzo." — Sim, por favor.
lunes, 9 de febrero de 2009
Procura-se: um engraxate
Os japoneses andam sempre com sapatos espelhados. Misterio! Não ha engraxates no Japão.
Ao fim de poucos dias, embora usando vigorosamente panos e escovas disponiveis nos quartos do hotel, sentia-me ve-xado com os meus. "Engraxate?" — a guia-interprete me perguntou, surpresa.
Era fim de tarde Batemos de taxi varias possibilidadcs. Numa viela dcscobrimos um, com longa fila de espera Nossa guia acabou parando numa loja de calçados. Entrou. Parlamen-tou. Chamou nos. Un dos vendedores engraxoi nossos sapatos" Quanto lhe devo?" O moço respondeu com uma reve-rencia a a nossa descortesia. Fiz-leh uma reverencia mais anen-tuada: "Arigato gozaimasu"
De uma segunda vez num canto de galeria de enorme pre-dio central de Tokyo, encontramos uma profissional. Tres pol-tronas em fila de espera no corridor externo. Mais tres fregue-ses de pé. No cubiculo de 1 x 2.5 m, a "engraxate-san" enver-gando uniforme azul-hospitalar e luvas-de-canhão de borracha cirurgica atendia os clientes'. Cronometramos: 45 segundos, 20o yens (US$ 1.25).
Começamos a calcular os lucros daquela mina de ouro. De repente. paramos, Quanto custariam para aquela micro-em-presaria a luva e o aluguel daquele espaço no centro de Tokyo?
Ao fim de poucos dias, embora usando vigorosamente panos e escovas disponiveis nos quartos do hotel, sentia-me ve-xado com os meus. "Engraxate?" — a guia-interprete me perguntou, surpresa.
Era fim de tarde Batemos de taxi varias possibilidadcs. Numa viela dcscobrimos um, com longa fila de espera Nossa guia acabou parando numa loja de calçados. Entrou. Parlamen-tou. Chamou nos. Un dos vendedores engraxoi nossos sapatos" Quanto lhe devo?" O moço respondeu com uma reve-rencia a a nossa descortesia. Fiz-leh uma reverencia mais anen-tuada: "Arigato gozaimasu"
De uma segunda vez num canto de galeria de enorme pre-dio central de Tokyo, encontramos uma profissional. Tres pol-tronas em fila de espera no corridor externo. Mais tres fregue-ses de pé. No cubiculo de 1 x 2.5 m, a "engraxate-san" enver-gando uniforme azul-hospitalar e luvas-de-canhão de borracha cirurgica atendia os clientes'. Cronometramos: 45 segundos, 20o yens (US$ 1.25).
Começamos a calcular os lucros daquela mina de ouro. De repente. paramos, Quanto custariam para aquela micro-em-presaria a luva e o aluguel daquele espaço no centro de Tokyo?
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sábado, 7 de febrero de 2009
Duplo efeito da comida nipônica
Farta, limpa, fresca, natural e saudavel e a comida niponi ca. Dos mais populares aos mais requintados restaurantes. Na maioria deles pode-se escolher nas vitrinas o que se vai comer e pagar. Os pratos são apresentados em rcproduçoes plasticas que sao obras-primas dc arte naturalista e honestidade, embo-ra em alguns (raros) os camaroes servidos fossem menores que os representados... Verduras, legumes, massas e peixes predominam. Usualmente, um prato e uma refeição farta. Em almoços e jantares dc cerimonia e quase impossivel dar conta da in finidade e variedade de coisas servidas em pequenas porçoes, em sucessão infindável. Pouco cozimento, pouca gordura, pou co tempero, requinte artistico na apresentação das formas e na combinação de cores. Os olhos comem antes da boca. Fre qüentemente se tem a sensação sacrilega de estar devorando a "natureza morta" de um grande pintor.
O resultado e duplo.
Nos trinta dias que estive no Japão não usei uma so vez pastilhas antiácidas, de que frequentemente me sirvo ao deitar. Minto: usei-as duas vezes quando jantei comida chinesa...
No fim da primeira scmana em Tokyo percebi. alarmado, que minha mulher cstava definhando. Cansada, entorpecida, sonolenta, ela que normaimente é tão ativa. Eram onze horas da noite. Tive um estalo! Sem dizer nada, fiz com que se arrumasse, vesti-me e arrastei-a pela feérica e turbulenta Ginza (principal avenida de Tokyo) onde acabei descobrindo um res-taurante-boate onde uma japonesa, em traje negro lantejoula-do, cantava em inglès perfeito os sucessos hollywoodianos ro manticos dos anos 60.. — e sentei-lhe um T-bone steak de 100 gramas que ajudei a acabar. No dia seguinte ela estava de novo lépida como um passarinho, acompanhando o ritmo de nosso anfitrião, Yamamoto Katsuzo, o que não e dizer pouco...
A comida é leve. Digere-se muito rapidamente. Daí em diante minha previdente mulher saía sempre com uma peque na sacola de frutas e petiscarias, para calçarmos o vazio entre as refeiçoes...
O resultado e duplo.
Nos trinta dias que estive no Japão não usei uma so vez pastilhas antiácidas, de que frequentemente me sirvo ao deitar. Minto: usei-as duas vezes quando jantei comida chinesa...
No fim da primeira scmana em Tokyo percebi. alarmado, que minha mulher cstava definhando. Cansada, entorpecida, sonolenta, ela que normaimente é tão ativa. Eram onze horas da noite. Tive um estalo! Sem dizer nada, fiz com que se arrumasse, vesti-me e arrastei-a pela feérica e turbulenta Ginza (principal avenida de Tokyo) onde acabei descobrindo um res-taurante-boate onde uma japonesa, em traje negro lantejoula-do, cantava em inglès perfeito os sucessos hollywoodianos ro manticos dos anos 60.. — e sentei-lhe um T-bone steak de 100 gramas que ajudei a acabar. No dia seguinte ela estava de novo lépida como um passarinho, acompanhando o ritmo de nosso anfitrião, Yamamoto Katsuzo, o que não e dizer pouco...
A comida é leve. Digere-se muito rapidamente. Daí em diante minha previdente mulher saía sempre com uma peque na sacola de frutas e petiscarias, para calçarmos o vazio entre as refeiçoes...
jueves, 5 de febrero de 2009
Assisto ao nascimento do Japão
Viagens são uma sucessão de acontecimentos. Uma coleção de episodios. Um dos mais ricos, gratos e emocionantes foi nosso encontro com o Shimotsuke no Daimyo Ten, exposi ção montada pelo museu de Utsonomiya para reconstituir a época dos daimyos (suseranos feudais) da região de Shimotsu-ke, hoje provincia de Tochigi.
No almoço que nos foi oferecido nesse museu por nossas magnificas anfitrias de Utsonomiya, seu diretor nos deu um catalogo da exposicão que — feliz coincidencia! — deveria ser inaugurada no dia seguintc, apos tres anos de prepare) e ao custo de 8 milhoes de yens (cerca de 64.000 dólares). Mais de cem localidades haviam fornecido perto de quatro mil peças, desde estátuas, pergamihos, espadas, selas e armaduras ate utensilios de cozinha, para se reconstituir a vida daquela época.
E impossivel dar coma da emocao que sentimos ao percorrer aquela exposição. É que, a par de sua riqueza e beleza deslumbrantes, percorremos ali ao vivo. o caminho que durante oito anos vinhamos fazendo nos livros, procurando comprender a formação historica e cultural do Japão. E ali estava ela. reconstituida concretamente, em suas peças autênticas, como se o passado do Japão viesse ao nosso encomtro a fim de confirmar as ideias que tinhamos a seu respeito. Pois foi nesse pe riodo (Azuchi-Momoyama, 1567-1600) que os tres grandes ca pitaes, Nobunaga, Hideyoshi e Tokugawa. realizaram a pacifica-çao e a união que, após mais de dois séculos de guerras feu-dais, integraria o país e Ihe daria 250 anos de paz. Era como se assistessemos ao nascimento do Japão!
I.a estavam estatuas originais dc Hideyoshi e Tokugawa. com que haviamos nos familiarizado nos livros. La estava o emakimono (pergaminho) original da decisiva batalha de Seki-gahara, que marca o inicio do periodo Edo (1600). Não correspondia a nenhuma das reproduçoes que conheci. Nenhuma fo-ra capaz de dar conta de seus detalhes, de suas cores, de sua graça, de sua vida. (Lembrei-me de idèntica sensação quando, em Londres, me deparei com originais de conhecidos desenhos de Toulouse-Lautrec: nenhuma reprodução capta a inspiração e a força criadora que o artista poe em seu trabalho e so o original conserva.)
Dei largas ao entusiasmo e a alegria proporcionados por aquele espetáculo. Me surpreendi muito com o fato de que todo 0 Japão não estivesse a par daquele acontecimento, restrito quase a provincia de Tochigi. Apenas um dos acontecimentos culturais que, na estação do outono, sc realizam naquele pais. (Alguns dias depois vamos encontrar em Kyoto exposição de igual pompa e riqueza sobrc "O Caminho da Seda".) Já no início de minha viagem, entretanto, sentia-me pago de todo o tempo e de todo esforco empregados para compreender o Japão: naquela exposição elevinha, magicamente, ao meu encontro.
No almoço que nos foi oferecido nesse museu por nossas magnificas anfitrias de Utsonomiya, seu diretor nos deu um catalogo da exposicão que — feliz coincidencia! — deveria ser inaugurada no dia seguintc, apos tres anos de prepare) e ao custo de 8 milhoes de yens (cerca de 64.000 dólares). Mais de cem localidades haviam fornecido perto de quatro mil peças, desde estátuas, pergamihos, espadas, selas e armaduras ate utensilios de cozinha, para se reconstituir a vida daquela época.
E impossivel dar coma da emocao que sentimos ao percorrer aquela exposição. É que, a par de sua riqueza e beleza deslumbrantes, percorremos ali ao vivo. o caminho que durante oito anos vinhamos fazendo nos livros, procurando comprender a formação historica e cultural do Japão. E ali estava ela. reconstituida concretamente, em suas peças autênticas, como se o passado do Japão viesse ao nosso encomtro a fim de confirmar as ideias que tinhamos a seu respeito. Pois foi nesse pe riodo (Azuchi-Momoyama, 1567-1600) que os tres grandes ca pitaes, Nobunaga, Hideyoshi e Tokugawa. realizaram a pacifica-çao e a união que, após mais de dois séculos de guerras feu-dais, integraria o país e Ihe daria 250 anos de paz. Era como se assistessemos ao nascimento do Japão!
I.a estavam estatuas originais dc Hideyoshi e Tokugawa. com que haviamos nos familiarizado nos livros. La estava o emakimono (pergaminho) original da decisiva batalha de Seki-gahara, que marca o inicio do periodo Edo (1600). Não correspondia a nenhuma das reproduçoes que conheci. Nenhuma fo-ra capaz de dar conta de seus detalhes, de suas cores, de sua graça, de sua vida. (Lembrei-me de idèntica sensação quando, em Londres, me deparei com originais de conhecidos desenhos de Toulouse-Lautrec: nenhuma reprodução capta a inspiração e a força criadora que o artista poe em seu trabalho e so o original conserva.)
Dei largas ao entusiasmo e a alegria proporcionados por aquele espetáculo. Me surpreendi muito com o fato de que todo 0 Japão não estivesse a par daquele acontecimento, restrito quase a provincia de Tochigi. Apenas um dos acontecimentos culturais que, na estação do outono, sc realizam naquele pais. (Alguns dias depois vamos encontrar em Kyoto exposição de igual pompa e riqueza sobrc "O Caminho da Seda".) Já no início de minha viagem, entretanto, sentia-me pago de todo o tempo e de todo esforco empregados para compreender o Japão: naquela exposição elevinha, magicamente, ao meu encontro.
domingo, 1 de febrero de 2009
Viagem simulada pela Tokkaidô
Os japoneses foram simpre grandes andarilhos. As excursões de primavera e outono, quando todos os anos escolares e colegiais percorrem o Japão acompanhados de seus mestres e mestras, reproduzem nas condicões de conforto moderno a velha tradição de peregrinações a lugares famosos. Visitas ao Fujuyama, ao santuário de Jse, a Kyoto e Nara continuam no programa de vida de todo japonês. Rodovias e ferovias modernas refazem o percurso das antigas e famosas estradas leu-dais do Japão — a Reigendo. a Seigendo e a mais famosa de hulas, a Tokkaidò, ligando Kyoto. a sede da corte, a Tokyo. a sede do Bakufu (centro do shogunato) a 500 quilômetros de distancia suas andanças por uma delas liashò deixara, em sua "A estreita senda de Oku", anotações poeticas de sua viagem. uma das mais he Ias coleções de ha i ku (haikai) do Japão.
De Toba a Ise. num moderno carro com ar-condicionado. nosso chofer de luvas brancas (como é comum no Japão) nos conduz e a Kumiko (nossa guia interprete) em excursão mara-vilhosa... O capim susuki, margeando a estrada, assinala eotn suas plumas de seda as primicias do outono...
Detemo-nos em Ise para rápida refeição em supermoderna lamchonete. A saída, o chofer confabula com a interprete. Esta nos oferecendo, por sua iniciativa e de seu bolso, entra das para uma exposição local.
Cruzamos a pequena praça. Entramos. E em vinte minutos refizemos a longa viagem que os suseranos de séculos passados empreendiam com numeroso séquito de vassalos, guerrei ros e servidores. em visita e estagio obrigatório em Edo, onde os shogun Tokugawa lhes impunham a permanencia de seis meses por ano. deixando de volta aos seus domínios sua fami lia em Edo, icomo refem de sua lealtade. Ao longo detelvez uns trinta metros de vitrinas quatro a cinco mil bonequinhos reproduziam, em paisagem miniaturizada , todas as cenas possíveis encontradas pela comitiva nessa viagem: as lavadeiras nos rios, as estalagens com seus fregueses, as casas de espetaculos, os pavilhoes de cha. rusgas armadas, festivais... que faltaria ali, rcpresentado em seus minimos detallies?
Porém, tanto quanto o encanto dessa simulada viagem pela Tokkaidô do passado. ficou conosco a surpresa — e a gratidao — da iniciativa daquele chofer, membro da grande familia japonesa que nos recebeu e partilhou com um estranho a satisfaçao de mostrar e ver o seu pais.
De Toba a Ise. num moderno carro com ar-condicionado. nosso chofer de luvas brancas (como é comum no Japão) nos conduz e a Kumiko (nossa guia interprete) em excursão mara-vilhosa... O capim susuki, margeando a estrada, assinala eotn suas plumas de seda as primicias do outono...
Detemo-nos em Ise para rápida refeição em supermoderna lamchonete. A saída, o chofer confabula com a interprete. Esta nos oferecendo, por sua iniciativa e de seu bolso, entra das para uma exposição local.
Cruzamos a pequena praça. Entramos. E em vinte minutos refizemos a longa viagem que os suseranos de séculos passados empreendiam com numeroso séquito de vassalos, guerrei ros e servidores. em visita e estagio obrigatório em Edo, onde os shogun Tokugawa lhes impunham a permanencia de seis meses por ano. deixando de volta aos seus domínios sua fami lia em Edo, icomo refem de sua lealtade. Ao longo detelvez uns trinta metros de vitrinas quatro a cinco mil bonequinhos reproduziam, em paisagem miniaturizada , todas as cenas possíveis encontradas pela comitiva nessa viagem: as lavadeiras nos rios, as estalagens com seus fregueses, as casas de espetaculos, os pavilhoes de cha. rusgas armadas, festivais... que faltaria ali, rcpresentado em seus minimos detallies?
Porém, tanto quanto o encanto dessa simulada viagem pela Tokkaidô do passado. ficou conosco a surpresa — e a gratidao — da iniciativa daquele chofer, membro da grande familia japonesa que nos recebeu e partilhou com um estranho a satisfaçao de mostrar e ver o seu pais.
martes, 27 de enero de 2009
Surdina
Estranho! mas está anotado mi nosso caderno deviagem. pela primeira vez, onze dias depois de chegarmos ao Japão, ouvimos música nipônica. Durante nossa estada de trinta dias. não a ouvimos mais que seis vezes. Por que? Não conseguimos apurar. O que por toda pane chegava aos nossos ouvidos era a chamada "música de elevador", na sua quase totalidade os clássicos românticos do século XIX. XVIII ou antes. Haydn, Brahms, Beethoven, Chopin, Bach. E muitos outros. por onde andaria a musica japonesa?
O período que passamos no Japão coincidiu com iasc adiantada da enfermidade de Hirohito, quando uma multidão, em Tokyo, ia ao parque imperial, para lá, sob imensos toldos, deixar com suas assinaturas seus votos de restabelecimento ao imperador. Como deixamos os nossos. Queriam alguns que a vida continuasse como sempre. Outros que se observassem o respeito e o pesar por seu drama final, prolongado por meses. Muitos espetáculos e cerimônias foram suspensos. Festivais populares milenares do shintoísmo, os matsuri, que a cada dia estão acontecendo em algum lugar do Japão, foram cancelados. Não encontramos um, em nosso mès de viagem.
A vida continuava — com uma discrição que talvez não se acharia em outras ocasiões. Faria parte dessa surdina o silêncio da música nipônica?
Não temos explicação. Não conseguimos apurar por que só a ouvimos seis vezes em trinta dias. leria ela, como outras coisas tradicionais, se recolhido:-1 ou como tantas outras coisas, sem desaparecer, passou definitivamente a uni segundo plano cultural? Não cremos. Mas não conseguimos apurar esse silencio estranho.
O período que passamos no Japão coincidiu com iasc adiantada da enfermidade de Hirohito, quando uma multidão, em Tokyo, ia ao parque imperial, para lá, sob imensos toldos, deixar com suas assinaturas seus votos de restabelecimento ao imperador. Como deixamos os nossos. Queriam alguns que a vida continuasse como sempre. Outros que se observassem o respeito e o pesar por seu drama final, prolongado por meses. Muitos espetáculos e cerimônias foram suspensos. Festivais populares milenares do shintoísmo, os matsuri, que a cada dia estão acontecendo em algum lugar do Japão, foram cancelados. Não encontramos um, em nosso mès de viagem.
A vida continuava — com uma discrição que talvez não se acharia em outras ocasiões. Faria parte dessa surdina o silêncio da música nipônica?
Não temos explicação. Não conseguimos apurar por que só a ouvimos seis vezes em trinta dias. leria ela, como outras coisas tradicionais, se recolhido:-1 ou como tantas outras coisas, sem desaparecer, passou definitivamente a uni segundo plano cultural? Não cremos. Mas não conseguimos apurar esse silencio estranho.
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martes, 20 de enero de 2009
Dois pólos teatrais
Viagens são como banquetes para a sensibilidade e a inteligência. Com a diferença de que nos banquetes antigos se podia dispor de dias para apreciar os requintes, e nas viagens de hoje freqüeutemente se tem de compactar a apreciação de séculos cm poucas horas.
Dada a ambição de nosso programa, memos de reduzir a poucas horas nosso encontro com o Nôh e o Kabuki, dois pólos clássicos do teatro japonês que guardam religiosamente suas características tradicionais. Aquele, exprimindo o máximo de economia de recursos; este, esgotando toda a exuberância de expressões. Sc ao Nôh cabe a designação de "missa japonesa", ao Kabuki se poderia chamar tie autêntica farra nipòni-ca. Ambos insuperáveis em seu estilo, com aquele sc entra em comunhão mística; neste, tivemos de enxugar gotas de um mar-de-mentira que um nadador estabanado propositadamente borrirava do palco sobre a platéia.
Na arquitetura, instalações e tudo mais, permanece o contraste. Há no Kabukiza de Tokyo um completo bazar de souve-nirs, comidas, uma quase quermesse popular. No prédio do Nòli, discretas vitrinas e balcões, como de joalheria.
O programa não nos permitia mais tie uma hora cm cada casa, quando um espetáculo completo é um seriado de vários dias. Etretanto, a compactação é possível, tal a força de impacto dos lugares e seus espetáculos.
A simples arquitetura do teatro Noh é uma lembrança in delevel Impossível alcançar-se com tanta sobriedade tanta majestade tranqüila. Há uma grandeza de palácio e uma paz de templo em seus imensos e despojados vcstíbulos e espaços de circulação. Mal cruzamos suas portas e nos envolve seu pathos, somos insensivelmente levados ao silencio, ao recolhimento, e transportados para a íntemporalidade. Não me recordo de outro interior capaz de falar tanto com sua mudez, envolvente. Lembrei-me da catedral de Colônia e da abadia de Westminster em Londres — mas com o eleito oposto de que o "além" nipònico e luminoso, e não sombrio.
Do Kabukiza se sai rindo ou chorando, dependendo da peça, porque lá tudo pode acontecer. Bastam os erros e gafes involuntários, que disparam sereias, para nós inaudíveis, mas que transformam os japoneses em enfermeiros ou bombeiros correndo em nosso pronto-socorro para restabelecer a ordem devida e repor tudo em seu respectivo lugar.
Dada a ambição de nosso programa, memos de reduzir a poucas horas nosso encontro com o Nôh e o Kabuki, dois pólos clássicos do teatro japonês que guardam religiosamente suas características tradicionais. Aquele, exprimindo o máximo de economia de recursos; este, esgotando toda a exuberância de expressões. Sc ao Nôh cabe a designação de "missa japonesa", ao Kabuki se poderia chamar tie autêntica farra nipòni-ca. Ambos insuperáveis em seu estilo, com aquele sc entra em comunhão mística; neste, tivemos de enxugar gotas de um mar-de-mentira que um nadador estabanado propositadamente borrirava do palco sobre a platéia.
Na arquitetura, instalações e tudo mais, permanece o contraste. Há no Kabukiza de Tokyo um completo bazar de souve-nirs, comidas, uma quase quermesse popular. No prédio do Nòli, discretas vitrinas e balcões, como de joalheria.
O programa não nos permitia mais tie uma hora cm cada casa, quando um espetáculo completo é um seriado de vários dias. Etretanto, a compactação é possível, tal a força de impacto dos lugares e seus espetáculos.
A simples arquitetura do teatro Noh é uma lembrança in delevel Impossível alcançar-se com tanta sobriedade tanta majestade tranqüila. Há uma grandeza de palácio e uma paz de templo em seus imensos e despojados vcstíbulos e espaços de circulação. Mal cruzamos suas portas e nos envolve seu pathos, somos insensivelmente levados ao silencio, ao recolhimento, e transportados para a íntemporalidade. Não me recordo de outro interior capaz de falar tanto com sua mudez, envolvente. Lembrei-me da catedral de Colônia e da abadia de Westminster em Londres — mas com o eleito oposto de que o "além" nipònico e luminoso, e não sombrio.
Do Kabukiza se sai rindo ou chorando, dependendo da peça, porque lá tudo pode acontecer. Bastam os erros e gafes involuntários, que disparam sereias, para nós inaudíveis, mas que transformam os japoneses em enfermeiros ou bombeiros correndo em nosso pronto-socorro para restabelecer a ordem devida e repor tudo em seu respectivo lugar.
miércoles, 14 de enero de 2009
Onde passado e presente tateiam caminhos futuros
Nossa viagem ao Japão leve a duração de um mês: ce 30 de setembro a 30 de outubro de 1988. Percorremos 13.000 quilômetros. 4O.OOO de avião, ida-e-volta. e 3.000 no próprio Japão, de trem, limusine. ônibus, mono-rail, metrò, barco. au-lomóvel e avião. De Narita fomos a Tokyo, Tsukuba,Usonomiya, Mashiko. Toba, Isc. Kyoto, Nara, Kobe, Osaka, Himeji, Kuma-moto. Mijazaki. Mimitsu chõ, e daí de volta para Tokyo, o que corresponde a cruzar cerca de metade do Japão, do centro de Honshu, a maior ilha, ao sul de Kyushu. na extremidacJe do arquipélago principal. Cruzar meio Japão fica pertinho; em ho ra e meia se vai de avião do extremo sul a Tokyo.
Nessa maratona de trinta dias, das sete da manhã ás sele da noite, sempre com horãrios cravados em minutos, estivemos em quinze localidades de onze províncias (estados! diferentes, visitamos cerca de cinqüenta organizações, instituições, associacões, empresas, centros de pesquisa, escolas, castelos, templos, parques, santuários, museus c residências. Pronunciamos três conferências e trouxemos de- volta quarenta quilos de documentação... além de 86 meisbi (cartões de visita) de pessoas com as quais tivemos contato direto: governadores de províncias, prefeitos, funcionários de primeira linha, diplomatas, sacerdotes, empresários, executivos, professores, estu dantes, donas de casa — homens e mulheres, jovens e crianças. O que andamos a pé, se tivesse sido sempre para a frente, poderia nos ter trazido de volta ao Brasil; os degraus de escadas que subimos dariam para chegar ao céu...
Não obstante, voltamos são e salvos, com uma bagagem de sensações, impressões, idéias e cogitações que nos acompanharão daqui para a frente como unia das mais ricas, belas e emocionantes experiências de toda a nossa vida. Diziam os antigos: vedere Napoli e poi morire. Uma das primeiras anotações em nossa caderneta de viagem registra: vir o Japão, antes de morrer.
Havíamos nos preparado para isso. Durante oito anos. antes de nossa viagem, estudamos o Japão sob todos seus aspectos históricos e culturais. fascinantc aventura intelectual que reunimos em Japão — A Harmonia doa contrarios — Uma experiencia humana singular, livro publicado um junho de 1988 pela T. A. Queiroz. Essa preparação nos manteve alerta para cada aspecto, fato, pessoa, informação e detalhe que desfilaram diante de nossos olhos no decorrer dessa velocissima e magní fica viagem: desde o caipim susuki, acenando suas pluma, ao longo das estradas, ao momiji, trocando por ouro e purpura suas folhas no prenuncio do outono; da magnílica exposição do museu de Utsonomiyaa, ond fizemos o emocionante emcontro com originais de quadros, estatuetas, pergaminhos makimono e objetos do decisivo período Momoyama, quando se realizou a unidade do país (tínhamos a nossa frente o nascimento do Japão!) até o jovial e estimulante envolvimento com os enxames de colegiais, crianças e jovens, que nessa época viajam por todo o pais a fim de conhece-lo .
Tudo nos foi extremamente facilitado por termos sido convidados pela rundacão Japão, órgão cultural do governo japonês, que preparou nosso programa dos quince primeiro-, dias. organizando os contatos c pondo ã nossa disposição excelentes guias e interpretes Na segunda quinzena fomos cicero-neados por Yanianmto Katsuzo, empresário nipo brasileiro, com ampla rede de contains no Japão, que viajo para nos acompanhar e mostrar-nos a mim e a minha mulher (por sua conta!) sua terra natal. Seria impossível encontrar um companheiro de viagem mais generoso, mais ativo, mais alerta, mais amigo e — sobretudo — mais alegre
Tendo procurado em nosso primeiro livro encontrar e expor as raízes histórico-culturais que explicam o Japão de hoje. levávamos o ambicioso projeto de, nesta viagem, começar a tolher material que nos permitisse escrever um segundo, o Ja pão em marcha para o século de que as duas panes deste livro constituem um primeiro e rápido esboço. Ai de nós! de certa forma c mais fácil viajar intelectualmente pelo passado e chegar ao presente- do que, percorrendo fisicamente o presente, vislumbrar o futuro. Os materiais csião todos aqui. mas, onde o tempo e as condições para a fanlastica concentração e massa de trabalho necessários á concretização do projeto?
Passado e presente, tradição e modernidade, o começo dos tempos e resolutas im tirsões pelo terceiro milênio, coexis-tem no Japão. Talvez em nenhum outro lugar deste planeta se possa comviver simultaneamente com essa mescla desconcei-tante de uma remota antigüidade que conserva uma perpetua juventude com inovações tao atreviddas que tem o ar marcia-no de embriões saídos de livros de ficção cientifica. Talvez em nenhum outro pais do mundo se possa sentir mais intensa mente o fluxo e o reíluxo das décadas de transição em que vi vemos, onde o homem ensaia a superação de uma história vivida, fin busca das novas formas de um mundo ignorado. Co-mo no resto do mundo, o pêndulo japonès parece aproximar-se de seu momento neutro, em busca dc novo impulso para umavita nuova. Talvez cm nenhuma outra parte se possa sentir tom maior tensão e nitidez a problemática do presente e a febril e jovial alegria da criação de novas soluções.
Nossa viagem pelo Japão tev, aissim, o semido de uma dupla incursão pelo tempo, retrospectiva e prospicliva, uma simultânea i iagcnt de romântica recaperação do pasmado e de axenturos.i expedição pelo futuro
São as impressões e reflexões despertadas por essa ca-minhada que procuramos, neste blog, transmitir aos nossos leitores.
Nessa maratona de trinta dias, das sete da manhã ás sele da noite, sempre com horãrios cravados em minutos, estivemos em quinze localidades de onze províncias (estados! diferentes, visitamos cerca de cinqüenta organizações, instituições, associacões, empresas, centros de pesquisa, escolas, castelos, templos, parques, santuários, museus c residências. Pronunciamos três conferências e trouxemos de- volta quarenta quilos de documentação... além de 86 meisbi (cartões de visita) de pessoas com as quais tivemos contato direto: governadores de províncias, prefeitos, funcionários de primeira linha, diplomatas, sacerdotes, empresários, executivos, professores, estu dantes, donas de casa — homens e mulheres, jovens e crianças. O que andamos a pé, se tivesse sido sempre para a frente, poderia nos ter trazido de volta ao Brasil; os degraus de escadas que subimos dariam para chegar ao céu...
Não obstante, voltamos são e salvos, com uma bagagem de sensações, impressões, idéias e cogitações que nos acompanharão daqui para a frente como unia das mais ricas, belas e emocionantes experiências de toda a nossa vida. Diziam os antigos: vedere Napoli e poi morire. Uma das primeiras anotações em nossa caderneta de viagem registra: vir o Japão, antes de morrer.
Havíamos nos preparado para isso. Durante oito anos. antes de nossa viagem, estudamos o Japão sob todos seus aspectos históricos e culturais. fascinantc aventura intelectual que reunimos em Japão — A Harmonia doa contrarios — Uma experiencia humana singular, livro publicado um junho de 1988 pela T. A. Queiroz. Essa preparação nos manteve alerta para cada aspecto, fato, pessoa, informação e detalhe que desfilaram diante de nossos olhos no decorrer dessa velocissima e magní fica viagem: desde o caipim susuki, acenando suas pluma, ao longo das estradas, ao momiji, trocando por ouro e purpura suas folhas no prenuncio do outono; da magnílica exposição do museu de Utsonomiyaa, ond fizemos o emocionante emcontro com originais de quadros, estatuetas, pergaminhos makimono e objetos do decisivo período Momoyama, quando se realizou a unidade do país (tínhamos a nossa frente o nascimento do Japão!) até o jovial e estimulante envolvimento com os enxames de colegiais, crianças e jovens, que nessa época viajam por todo o pais a fim de conhece-lo .
Tudo nos foi extremamente facilitado por termos sido convidados pela rundacão Japão, órgão cultural do governo japonês, que preparou nosso programa dos quince primeiro-, dias. organizando os contatos c pondo ã nossa disposição excelentes guias e interpretes Na segunda quinzena fomos cicero-neados por Yanianmto Katsuzo, empresário nipo brasileiro, com ampla rede de contains no Japão, que viajo para nos acompanhar e mostrar-nos a mim e a minha mulher (por sua conta!) sua terra natal. Seria impossível encontrar um companheiro de viagem mais generoso, mais ativo, mais alerta, mais amigo e — sobretudo — mais alegre
Tendo procurado em nosso primeiro livro encontrar e expor as raízes histórico-culturais que explicam o Japão de hoje. levávamos o ambicioso projeto de, nesta viagem, começar a tolher material que nos permitisse escrever um segundo, o Ja pão em marcha para o século de que as duas panes deste livro constituem um primeiro e rápido esboço. Ai de nós! de certa forma c mais fácil viajar intelectualmente pelo passado e chegar ao presente- do que, percorrendo fisicamente o presente, vislumbrar o futuro. Os materiais csião todos aqui. mas, onde o tempo e as condições para a fanlastica concentração e massa de trabalho necessários á concretização do projeto?
Passado e presente, tradição e modernidade, o começo dos tempos e resolutas im tirsões pelo terceiro milênio, coexis-tem no Japão. Talvez em nenhum outro lugar deste planeta se possa comviver simultaneamente com essa mescla desconcei-tante de uma remota antigüidade que conserva uma perpetua juventude com inovações tao atreviddas que tem o ar marcia-no de embriões saídos de livros de ficção cientifica. Talvez em nenhum outro pais do mundo se possa sentir mais intensa mente o fluxo e o reíluxo das décadas de transição em que vi vemos, onde o homem ensaia a superação de uma história vivida, fin busca das novas formas de um mundo ignorado. Co-mo no resto do mundo, o pêndulo japonès parece aproximar-se de seu momento neutro, em busca dc novo impulso para umavita nuova. Talvez cm nenhuma outra parte se possa sentir tom maior tensão e nitidez a problemática do presente e a febril e jovial alegria da criação de novas soluções.
Nossa viagem pelo Japão tev, aissim, o semido de uma dupla incursão pelo tempo, retrospectiva e prospicliva, uma simultânea i iagcnt de romântica recaperação do pasmado e de axenturos.i expedição pelo futuro
São as impressões e reflexões despertadas por essa ca-minhada que procuramos, neste blog, transmitir aos nossos leitores.
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